O Rio Jordão no Tempo de Abraão: Geografia, História e a Separação entre Abraão e Ló
O Rio Jordão é uma das mais emblemáticas e significativas formações geográficas do Oriente Médio. Ele corta a Terra de Israel de norte a sul, nascendo no Monte Hermom e desembocando no Mar Morto. No tempo de Abraão — segundo o relato bíblico no Livro de Gênesis — o Jordão já era um marco territorial de grande relevância. Foi às margens deste rio e em seu vale fértil que se desenrolou um dos episódios mais importantes da vida do patriarca: a separação entre Abraão e seu sobrinho Ló, e o destino das cidades da planície, como Sodoma e Gomorra.
Esse artigo explora o contexto histórico e geográfico do Rio Jordão no segundo milênio antes de Cristo, correlacionando o relato bíblico com dados arqueológicos, a geografia antiga e os significados culturais e espirituais dessa região na época de Abraão.
O Rio Jordão: Geografia e Importância Antiga
O Rio Jordão nasce das montanhas do Líbano, com fontes no Monte Hermom, e flui para o sul através do Lago Hulé, do Mar da Galileia (também chamado de Kineret na Bíblia hebraica) e, finalmente, para o Mar Morto, o ponto mais baixo da superfície terrestre. A região por onde passa é conhecida como o Vale do Jordão, uma área fértil e relativamente úmida em comparação com o semiárido que a cerca.
Na Antiguidade, especialmente no tempo de Abraão (c. 2000 a.C., segundo a cronologia bíblica tradicional), o Vale do Jordão era visto como uma terra rica e desejável. O próprio texto bíblico descreve o vale como "bem regado como o jardim do Senhor, como a terra do Egito" (Gênesis 13:10), destacando sua fertilidade comparável à do Nilo.
A Separação entre Abraão e Ló: Contexto Narrativo
O acontecimento histórico central envolvendo o Jordão no tempo de Abraão está narrado em Gênesis 13, após o retorno de ambos do Egito:
“E a terra não podia sustentar que habitassem juntos; porque os seus bens eram muitos, de maneira que não podiam habitar juntos. E houve contenda entre os pastores do gado de Abrão e os pastores do gado de Ló...” (Gênesis 13:6-7)
Diante do conflito, Abraão propõe a separação amigável e generosa:
“Não haja contenda entre mim e ti [...] Se escolheres a esquerda, irei para a direita; e se a direita escolheres, irei para a esquerda.” (Gênesis 13:8-9)
Ló, ao olhar para o Vale do Jordão, escolhe a região de Sodoma, localizada nas planícies junto ao rio, por causa de sua fertilidade. Abraão, por sua vez, permanece nas terras altas de Canaã, especialmente em Hebrom.
Essa decisão aparentemente prática terá repercussões espirituais e históricas profundas, conforme os eventos subsequentes (a corrupção de Sodoma e Gomorra e sua destruição) demonstram.
O Vale do Jordão e as Cidades da Planície: Sodoma, Gomorra e o Juízo Divino
O texto bíblico menciona as chamadas "cidades da planície" — Sodoma, Gomorra, Admá, Zeboim e Zoar — como parte da região escolhida por Ló. Todas elas estariam situadas nas cercanias do Mar Morto e do Rio Jordão, provavelmente na parte sudeste do vale.
Segundo Gênesis 14, essas cidades estiveram envolvidas em um conflito militar internacional que envolveu os reis do oriente, o que também sugere a relevância geopolítica do vale no tempo de Abraão.
“E vieram os quatro reis [...] e guerrearam contra Bera, rei de Sodoma, e Birsa, rei de Gomorra...” (Gênesis 14:8)
Arqueologicamente, há várias teorias sobre a localização dessas cidades. Alguns estudiosos identificam Sodoma e Gomorra com os sítios em ruínas como Bab edh-Dhra e Numeira, na costa oriental do Mar Morto (atualmente na Jordânia), que mostram sinais de destruição súbita e incêndio datados aproximadamente do fim do terceiro milênio a.C.
Esses estudos reforçam a possibilidade de que uma catástrofe natural (como terremotos ou liberação de gases subterrâneos combustíveis) possa ter dado origem à tradição da destruição divina dessas cidades.
O Significado Simbólico e Espiritual do Jordão na Vida de Abraão
No contexto do Gênesis, o Rio Jordão representa mais do que uma divisão geográfica — ele se torna um símbolo de escolha entre prosperidade material e fidelidade espiritual.
Ló escolhe com base na aparência: a terra fértil, os campos bem regados. Abraão, por sua vez, aceita as regiões montanhosas e menos exuberantes, confiando na promessa de Deus. O texto sugere que essa escolha reflete também posturas morais: Ló se aproxima das cidades “grandes em pecado”, enquanto Abraão se afasta e constrói altares ao Senhor.
A narrativa apresenta um contraste claro entre a riqueza aparente do Jordão e a pobreza espiritual de suas cidades, enfatizando o ideal bíblico de fé e aliança acima de conveniência e riqueza.
O Rio Jordão como Fronteira Histórica e Cultural
Mesmo após os tempos patriarcais, o Rio Jordão continuaria sendo uma linha divisória simbólica e literal na história de Israel:
- Foi o limite oriental da Terra Prometida para os hebreus após o Êxodo.
- Foi atravessado por Josué na conquista de Canaã (Josué 3).
- Serviu como barreira entre as tribos que se estabeleceram a leste e a oeste do rio.
- Tornou-se também um símbolo de transição espiritual nos profetas e nos textos do Novo Testamento.
Na época de Abraão, portanto, o Jordão já aparece como um espaço de fronteira, decisão e destino.
O episódio da separação entre Abraão e Ló, à sombra do Rio Jordão, revela muito mais do que um simples conflito entre pastores. Ele insere o Rio Jordão no centro de uma narrativa rica em significado histórico, geográfico e espiritual. Representando fertilidade e tentação, promessa e destruição, o Jordão no tempo de Abraão era uma terra cobiçada — mas também um divisor de destinos.
Através dos olhos da fé e da lente da arqueologia, o Rio Jordão nos oferece uma janela poderosa para compreender os dilemas, escolhas e crenças dos primeiros patriarcas da tradição bíblica, e a forma como a geografia moldou e simbolizou a jornada do povo de Israel desde os seus primórdios.
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