Jabes-Gileade: A Libertação por Saul e o Nascimento de um Reino
I. O Significado de Jabes-Gileade no Mapa Bíblico
Jabes-Gileade (ou Jabes de Gileade) era uma cidade israelita localizada a leste do rio Jordão, na região de Gileade, território atribuído originalmente à tribo de Manassés ou Gade. Geograficamente, situava-se próximo ao atual território da Jordânia, ao sul do rio Jaboque.
No período dos juízes e no início da monarquia israelita, Jabes-Gileade ganhou destaque histórico por dois motivos principais:
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Por seu papel no episódio de violência e expiação após o caso da concubina de Gibeá (Juízes 21).
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Por ter sido sitiada pelos amonitas e libertada por Saul, o primeiro rei de Israel (1 Samuel 11).
Este artigo foca no segundo evento — a libertação de Jabes-Gileade por Saul — e analisa como este fato marcou o início efetivo da monarquia israelita, representando um momento de unidade nacional diante da ameaça estrangeira.
II. Contexto Histórico: Israel, os Amonitas e a Crise Tribal
1. Fragmentação das Tribos de Israel
No final da era dos juízes (aproximadamente 1050 a.C.), Israel era uma confederação tribal descentralizada, sem liderança central permanente. As tribos frequentemente operavam de forma independente e só se uniam em tempos de crise.
Essa fragilidade interna tornou o povo vulnerável a invasores vizinhos, como os filisteus, ao oeste, e os amonitas, ao leste.
2. Os Amonitas e Nahás
Os amonitas, descendentes de Ló (Gênesis 19), ocupavam a região a leste do rio Jordão. Seu rei, Nahás, aproveitou a desorganização de Israel para tentar expandir seu território, atacando Jabes-Gileade — uma cidade isolada e, naquele momento, desprotegida.
III. O Cerco de Jabes-Gileade (1 Samuel 11:1–3)
1. A Ameaça de Nahás
O texto bíblico registra que Nahás, o amonita, cercou Jabes-Gileade e propôs um tratado humilhante:
“Farei aliança convosco, contanto que todos vós me permitais arrancar o olho direito de cada um de vós.” — 1 Samuel 11:2
A mutilação visava humilhar Israel e impedir sua capacidade de lutar — já que o olho direito era crucial para o uso do escudo e da espada.
2. O Pedido de Trégua
Os anciãos de Jabes pediram um prazo de sete dias para buscar socorro em Israel. Curiosamente, Nahás aceitou, talvez por confiar na divisão das tribos e não esperar reação unificada.
IV. Saul: De Rei Oculto a Libertador Nacional
1. Saul é Informado
Na época, Saul, da tribo de Benjamim, já havia sido ungido por Samuel como rei, mas ainda não havia assumido liderança militar efetiva. Ao saber do cerco, enquanto trabalhava nos campos, Saul é tomado por indignação e, sob a influência do Espírito de Deus, convoca as tribos.
“O Espírito de Deus se apossou de Saul ao ouvir aquelas palavras, e sua ira se acendeu.” — 1 Samuel 11:6
2. Convocação Militar Nacional
Para unir as tribos, Saul corta em pedaços bois e os envia por mensageiros:
“Assim será feito com os bois de todo aquele que não seguir Saul e Samuel.” — 1 Samuel 11:7
A ameaça provocou pânico e mobilização. Saul reúne 330.000 homens de Israel e Judá, mostrando que a nação, embora fragmentada, podia reagir diante de liderança carismática.
V. A Batalha e a Libertação (1 Samuel 11:9–11)
1. A Estratégia de Saul
Saul divide seu exército em três companhias e ataca o exército amonita ao amanhecer, enquanto os inimigos ainda estavam despreparados.
O ataque foi fulminante. Os amonitas foram derrotados, e a cidade foi libertada. Jabes-Gileade, salva de uma humilhação pública, tornou-se símbolo da aliança entre o povo e seu novo rei.
VI. Efeitos da Vitória: Unificação e Realeza Estabelecida
1. Confirmação da Realeza de Saul
Após a vitória, o povo quis punir os que haviam duvidado da liderança de Saul. No entanto, o rei respondeu com magnanimidade:
“Hoje ninguém será morto, pois é o dia em que o Senhor trouxe libertação a Israel.” — 1 Samuel 11:13
Esse gesto fortaleceu sua imagem como rei legítimo e misericordioso.
2. Renovação da Realeza em Gilgal
O povo se reúne em Gilgal e confirma Saul como rei perante o Senhor (1 Samuel 11:14–15), estabelecendo formalmente a monarquia israelita. O reinado deixa de ser uma promessa e se torna realidade com base em vitória militar e apoio popular.
VII. Jabes-Gileade na Memória Coletiva de Israel
1. Lealdade a Saul Após sua Morte
Décadas mais tarde, quando Saul morre na batalha contra os filisteus no monte Gilboa, e seu corpo é profanado, os homens de Jabes-Gileade arriscam suas vidas para resgatar e enterrar dignamente o corpo de Saul (1 Samuel 31:11–13).
Esse ato de lealdade mostra a gratidão duradoura da cidade por sua libertação anterior. Jabes-Gileade não esqueceu seu libertador.
VIII. Geografia e Arqueologia de Jabes-Gileade
1. Localização Provável
Jabes-Gileade é tradicionalmente associada ao local de Tell el-Maqlub, a leste do rio Jordão, a cerca de 20 km ao sul de Bete-Seã. A cidade ficava em região montanhosa, cercada por vales profundos.
2. Arqueologia
Poucos estudos arqueológicos extensivos foram realizados, mas fragmentos de cerâmica e vestígios defensivos sugerem que o local era habitado durante a Idade do Ferro, coincidente com o período de Saul.
IX. Jabes-Gileade como Marco do Nascimento Nacional
O episódio da libertação de Jabes-Gileade marca uma virada histórica no Antigo Testamento:
- Transforma Saul de camponês tímido em rei guerreiro.
- Une Israel tribal contra um inimigo comum.
- Estabelece a monarquia com legitimidade divina e popular.
- Imortaliza Jabes-Gileade como cidade de lealdade e lembrança.
Este acontecimento mostra que, embora frágil, a identidade israelita podia ser mobilizada em torno de uma causa comum e de uma liderança providencial. Jabes-Gileade, cidade periférica e vulnerável, tornou-se o berço do primeiro ato de reinado em Israel — um verdadeiro marco no mapa da história bíblica.
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